A negociação é um tema recente, bastante amplo e de larga aplicação, que vem recebendo a atenção de muitos autores, tanto no Brasil como no exterior, conforme afirmam Kozicki (1999) e Shell (2001). Alguns autores acreditam que a negociação depende de múltiplas teorias que devem ser muito bem aprendidas, antes que alguém possa praticá-la. Enquanto que outros pensam que a negociação é essencialmente uma atividade derivada da experiência prática (Martinelli e Almeida, 1998). Independente da visão de negociação (teoria versus prática) é consenso geral a existência de um conjunto de características que formam o perfil do negociador. É preciso entender sistemicamente quais são estas características. Ele precisa concentrar-se nas idéias, discutir proposições, proporcionar alternativas à outra parte, ter objetividade no equacionamento dos problemas, apresentar propostas concretas, saber falar e ouvir, colocar-se no lugar da outra parte, saber interpretar o comportamento das pessoas, saber separar os relacionamentos pessoais dos Interesses, entre outras (Martinelli e Almeida, 1997).
Para isso, é fundamental que o negociador consiga articular suas habilidades humanas, técnicas e conceituais (Katz, 1955). Dentro desse contexto, este trabalho tem como objetivo sistematizar o conjunto de características que formam as habilidades humanas, técnicas e conceituais do negociador e verificar como essas habilidades influenciam o uso dos poderes pelo negociador, que se constitui numa das variáveis cruciais da negociação. Para tanto, o enfoque sistêmico será utilizado como metodologia para melhor visualização e compreensão das variáveis analisadas e como elas se relacionam. Para alcançar esse objetivo, primeiramente é efetuada uma revisão bibliográfica sobre enfoque sistêmico, em seguida uma revisão sobre o conceito de negociação, as características e habilidades do negociador e o poder na negociação. Posteriormente, são realizadas as análises e apresentadas as conclusões.
O ENFOQUE SISTÊMICO
A teoria de sistemas é qualquer coisa que consista em partes interligadas (BEER, 1959). Todo sistema é formado por subsistemas inseridos em aglomerados maiores. Do enfoque sistêmico, desenvolvido por Bertalanffy, extrai-se a idéia de que a organização é um sistema composto de elementos ou componentes interdependentes. A organização revela-se como um conjunto de pelo menos dois sistemas que se influenciam mutuamente: sistema técnico, que compreende os recursos e componentes físicos e abstratos que até certo ponto independem das pessoas e sistemas sociais, que são todas as manifestações do comportamento dos indivíduos e dos grupos.
Quanto à natureza, os sistemas podem ser classificados como fechados, que são isolados de seu ambiente, e abertos, que se mantêm em contínuo fluxo de entrada e saída (Bertalanffy, 1973). De acordo com a teoria de enfoque sistêmico, os elementos presentes em um sistema, suas características, seus relacionamentos e o grau de organização do sistema definem sua complexidade que, segundo Espejo et alli (1996), é a propriedade de um sistema estar apto a adotar um grande número de estados ou comportamentos, podendo ser medida pela variedade, que é o número de possíveis estados de um sistema. Para Espejo et alli (1996), organizações efetivas são aquelas capazes de manter a viabilidade. Os sistemas viáveis têm capacidade própria para resolver problemas conhecidos e inesperados, no entanto, apesar de sua independência em relação à resolução de problemas, um sistema viável atua no contexto de um ambiente, quE o afeta direta ou indiretamente fazendo com que sofra influências externas.
O ambiente no qual a organização está inserida apresenta complexidades e variedades que impossibilitam o conhecimento de todos os aspectos do universo em que a organização opera. De acordo com Espejo et alli. (1996), a complexidade é a propriedade de um sistema estar apto a adotar um grande número de estados ou comportamentos, podendo ser medida pela variedade, que é o número de possíveis estados de um sistema. O enfoque sistêmico propõe uma administração recorrente ou recursiva de controle e comunicação. As atividades primárias da empresa devem ter sua própria autonomia baseada em funções e não em cargos para a tomada de decisões. Segundo Martinelli (1995) a administração do sistema inclui duas funções básicas: planejamento e controle. Controlar o sistema envolve tanto o acompanhamento da execução dos seus planos quanto o planejamento de mudanças. Consiste em perceber a empresa como um todo que se relaciona com um ambiente complexo e desconhecido, levando em conta as visões de mundo da firma e de cada colaborador e ainda ciente do processo de aprendizagem individual e organizacional, respaldando a idéia de que todo sistema ou subsistema tem necessidade de ser viável.
Quanto mais autônomos forem os subsistemas de um sistema mais facilmente ele encarará a complexidade ambiental. Isso porque, o sistema utiliza melhor seus recursos se seus subsistemas obtiverem variedade requerida suficiente par lidar com o desdobramento da complexidade que lhes cabe. Deste modo, a recursividade de informações e coordenação torna a organização mais integrada e por conseqüência mais flexível às mudanças ambientais. Desta forma, o conhecimento do Enfoque Sistêmico permite uma ampla compreensão dos sistemas, com o melhor entendimento de como as partes se relacionam. Facilita, assim, a criação de conceitos e soluções para problemas ou temas aparentemente desconexos ou que precisam de maior reflexão e organização. É neste sentido que o Enfoque Sistêmico é utilizado como base para a execução deste trabalho.
NEGOCIAÇÃO
São várias as definições existentes tentando conceituar negociação, abrangendo diferentes aspectos e enfoques e mostrando visões diversas sobre o tema. Cohen (1980) define a negociação como o uso da informação e do poder, com o fim de influenciar o comportamento dentro de uma rede de tensão. Segundo Fisher e Ury (1985), negociação é um processo de comunicação bilateral com o objetivo de se chegar a uma decisão conjunta. Já Steele et alii (1995) definem a negociação como o processo pelo qual as partes se movem de suas posições iniciais divergentes até um ponto no qual o acordo pode ser obtido. Na visão de Barzeman e Neale (1998) negociar racionalmente significa tomar as melhores decisões para maximizar seus interesses. De acordo com Shell (2001), a negociação é uma forma básica, especial da comunicação humana, mas não é sempre que percebemos que a estamos praticando.
Uma negociação é um processo de comunicação interativa que pode ocorrer quando queremos algo de outra pessoa ou quando outra pessoa quer algo de nós. A negociação é um conceito em contínua formação, que está amplamente relacionado à satisfação de ambos os lados. No entanto, houve uma mudança de foco no objetivo do negociador, ao longo de sua história. No passado, o negociador buscava resultados satisfatórios momentâneos e, nos tempos atuais, esse mesmo negociador busca um relacionamento duradouro e contínuo, para que, a médio e longo prazo, atinjam-se os benefícios para todos os envolvidos na negociação (Scare e Martinelli, 2001).
O conceito de negociação pode afetar qualquer tipo de relacionamento humano e produzir benefícios duradouros para todos os participantes (Nierenberg, 1968 apud Martinelli e Almeida, 1998). Segundo esses autores, para uma boa negociação, as partes envolvidas precisam definir alguns aspectos-chaves. Primeiramente, precisam conseguir separar as pessoas envolvidas do problema em questão. Seguidamente, devem concentrar-se nos interesses básicos, examinando os interesses de ambas as partes da negociação. A busca por alternativas de ganhos mútuos deve ser outro aspecto considerado, assim como a busca por critérios objetivos para a solução do problema.
As negociações nas organizações normalmente envolvem mais que dois lados, sendo mais complexas, envolvendo diversos interesses. Para promover acordos integrativos é fundamental considerar os interesses básicos dos diversos grupos e subgrupos dentro e fora da empresa, as informações básicas disponíveis, os diferentes poderes envolvidos e o tempo que se dispõe para a negociação. Mais do que em outras áreas, a racionalização do processo de negociação torna-se indispensável para a maximização dos interesses envolvidos. Desta forma, segundo Martinelli (2002), em uma negociação, deve-se buscar um relacionamento que possa ser duradouro, que leve a novas negociações no futuro e que mantenha, ou melhore, o contato entre as partes envolvidas. Além disso, buscando-se atender às partes envolvidas, tende-se para uma negociação classificada pelos autores como ganhaganha.
O autor, menciona, ainda, que ambos os lados envolvidos na negociação estarem satisfeitos e com as suas necessidades básicas supridas é fundamental, além de ser uma visão mais recente sobre o assunto, já que no passado pensava-se em atender às próprias necessidades, sem se preocupar com o outro lado. A mentalidade, em geral, era de levar vantagem e de não se preocupar em atender o outro. Com o tempo, porém, foi se percebendo que uma negociação desse tipo, atendendo só a um dos lados, caracterizada como negociação “ganha-perde” (no sentido de que, para um lado ganhar, o outro terá necessariamente que perder), teria poucas condições de se manter a médio prazo, bem como, provavelmente, não levaria a novas negociações pois a parte prejudicada evitaria qualquer tipo de contato, para não ser novamente lesada. Assim, espera-se que a negociação seja um processo que possui como propósito atingir um acordo agradável sobre diferentes idéias e necessidades para ambos os lados envolvidos (Acuff, 1993), de modo a promover o ganha-ganha e tornar-se um movimento duradouro.
VARIÁVEIS BÁSICAS DE UMA NEGOCIAÇÃO
Cada agente envolvido em uma negociação tem uma visão particular das situações com base no seu ponto de vista e sua conveniência, que até mesmo se altera em situações diversas ao longo do tempo (Martinelli e Almeida, 1998). No entanto, em qualquer situação, haverá três variáveis básicas influenciando esse processo: tempo, informação e poder.
A primeira variável, o tempo, deve ser cuidadosamente analisada, verificando-se como ela afeta o processo e transformando-o em ponto de apoio para projetar o negócio e alcançar a satisfação dos envolvidos. Além disso, o tempo pode ser um fator de pressão e limitação ao processo de negociação.
Percebe-se que, conforme os prazos vão se esgotando, maior é a pressão do tempo, podendo gerar concessões para o fechamento do acordo (Martinelli e Almeida, 1998). O modo como o tempo é utilizado pode influenciar relacionamentos, contribuindo para o sucesso ou fracasso de uma negociação. Diferentes conotações podem ser dadas à maneira com que o negociador lida com o tempo. O tempo pode favorecer tanto um quanto o outro lado, dependendo das circunstâncias e da habilidade do negociador lidar com essa variável. A segunda variável, a informação, diz respeito ao ato ou efeito de informar-se acerca de alguém ou de algo (Martinelli, 2002). Identificada como conhecimento ou instrução que um indivíduo ou grupo obtém através de diversas fontes, essa variável é importantíssima para o sucesso da negociação.
Quanto mais informações confiáveis as partes têm, mais distante se fica de um resultado inesperado. Nas negociações, deve haver um grande empenho em reunir uma grande quantidade de informações antes de se iniciar o processo. Além disso, essa preocupação deveria permanecer durante o processo de negociação, desenvolvendo a capacidade de perceber informações passadas indiretamente, através de comunicação não-verbal (gestos, expressões faciais, tom de voz) ou deixas (mensagem transmitida indiretamente, cujo significado pode ser ambíguo e requerer interpretação) e associá-las à negociação.E, por fim, a terceira variável, objeto do presente estudo é o poder.
A dinâmica do poder é um fator importante a ser considerado, pois ele permite uma visão de como a estrutura do canal pode influenciar a performance da negociação. O poder pode ser definido como a habilidade de um ator conseguir de um outro ator aquilo que ele deseja (Hogarth-Scott, 1999). Dentro dos limites razoáveis, é possível conseguir tudo o que se deseja, se estiver ciente das opções, testar suposições, correr riscos calculados e basear-se em informações sólidas, acreditando que se tem poder. (Martinelli e Almeida, 1998). Após esta breve revisão sobre os conceitos de negociação, são analisadas as características e habilidades do negociador, segundo a visão de vários estudiosos do assunto.